UM FUTURO SEM AMANHÃ
Não dá para deixar de ficar nervoso — nada de irritação, zangas, mas nervoso — ver-se o grupo brincando o Carnaval em local exclusivo, fazendo pose para as câmeras, todos sorridentes, exibindo suas certezas, um “quê” de metas pessoais nada a ver com as “urgências prementes” da fome, do desencanto, do abandono, da infelicidade de milhões de pessoas sem perspectivas, sem assistência, sem trabalho, sem comida. Seria demais pedir um mínimo de respeito a essa gente sofrida, “sem chão”? Porque, com isso que aí está, a que chamam reformas, as coisas para essa gente maltratada só vão piorar. O que será feito dela? Ou trabalho, ou direitos, os dois, juntos, não cabem na nova sociedade futurista brasileira. Foi avisado, assim mesmo, com frieza, de viva voz. Dá para caminhar tranquilo para esse futuro sem amanhã?
Esta é a própria e mais genuína quarta-feira de cinzas. Como funcionam as cabeças pensantes do país? O diplomata, ex-presidentes malquistos, não são bem-vindos. Quem não está comigo é contra mim? A prole já range os dentes para os anciãos que não concordam. Quando começarão as proibições explícitas? Quando será verbalizada a proibição de pensar com a própria cabeça? George Orwell, 1984, a Polícia do Pensamento, Big Brother? E se isso já estiver entre nós? Nossa Sociedade se está afogando em ódios, estamos caminhando céleres para o ‘é proibido discordar’? Chegou-se a viver por aqui um certo “clima” de pão e circo, mas para milhões de pessoas o pão se foi e o circo ficou sem graça.
Você reparou que a Marquês de Sapucaí, pelo menos no domingo, estava mais para atabalhoada do que para alegre? Proporcionalmente, os sorrisos espontâneos eram poucos. No sábado, foram lindos o Jesus negro e sua mãe; como pode ser branca a mãe de um filho negro? Ou pardo? E os atores, que não eram sambistas, mas atores, foram doces, amigáveis, transmitiram aconchego e guarida, momentos abstrativos da realidade madrasta. Foi bom um pouco de verdade; muita gente pode não se ter dado conta, mas foi um tranco, um caminho apontado. Estamos, no Brasil, carentes de essência, da verdade. Transcrevo o trecho final de um dos meus textos; penso valer a pena refletir sobre ele.
A verdade, deliberadamente examinada no fecho destas reflexões em virtude do significado absoluto que traduz, é algo imanente ao ocorrente não sujeito a especulações de qualquer índole. Como eu disse nos Apontamentos, lastreada nos fatos, valor ético aposto a todos os demais, como tal e com caráter próprio contém-se tão somente em si mesma. Em termos rigorosamente objetivos e com os mais intensos reflexos, a verdade deve ser em intransigente e última análise a finalidade de toda a atividade intelectiva; não o sendo, não haverá modo intelectivo, mas tão somente pantomimas, tudo não passará de uma grande farsa [Onair Nunes, A Conspiração dos Medíocres/Ética – Moral – Verdade]
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