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REVISITANDO REALIDADES


Quatro milhões e seiscentos mil desesperançados; fala-se aqui de homens e mulheres com a responsabilidade das despesas da casa. Conservadoramente, um dependente para cada desesperançado, não é exagero contar dez milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza extrema. Não existem para as estatísticas e, no momento em que reviso este texto, 1° de Maio de 2019, nada mudou.

Quando a cabeça, ou o cabeça, da família deixa de procurar emprego, some, deixa de existir para os desinteressados. Cansado, desiludido, integra uma legião de mortos-vivos que não come; como pode comer? Dos que comem ou de algum modo trabalham, boa parcela diminuiu quantidades e qualidade, faz malabarismos, estica o que pode o dinheiro do emprego periclitante, do subemprego, que se vai indo, do desemprego ainda com algum no bolso, candidatos a desesperançados, uma luta desesperada. Até quando resistirão a essa existência absurda?

A conta dos desempregados chega a treze milhões e setecentos mil (voltou a essa marca no momento em que revejo este texto, computados os números do primeiro trimestre de 2019). Quantos somarão desesperançados e dependentes, desempregados e dependentes? 50 milhões, contando conservadoramente 2 (dois) dependentes para cada desempregado?

(13.700 mil desempregados + 27.400 mil dependentes = 41.100mil + 10 milhões de desesperançados e dependentes)

Quando o blog falou na reserva huxleyana, houve quem classificasse a dicção de exagero, fatalismo, até de terrorismo. A realidade de hoje, entretanto, sugere que só está faltando transferirem essas pessoas para lugar bem remoto, de preferência inacessível.

Sinto tremendo mal-estar ao abordar essa realidade, relativamente à qual, no entanto, não me apraz brincar de avestruz.

Numa visão macro, não há alternativas bastantes para o transporte no Brasil, o país é amnésico do transporte marítimo costeiro, do transporte ferroviário como elemento básico da infraestrutura econômica. Inflação controlada? Com tanta gente fora do mercado de trabalho, comendo mal e não comendo, comprando menos ou, como os desesperançados, não comprando nada, o que se quer, inflação descontrolada? Faltam compradores, essa é a realidade, não há pressão sobre os preços.

É difícil para qualquer ser humano normal dormir em paz sabendo que, no momento do sono, milhões de patrícios, no país, nossas crianças, nossos indefesos patricinhos, estão com fome, sem comer, sem um cobertor decente para o inverno à porta, pouco menos de 2 (dois) meses à frente.

Crescer como, com esse arremedo de estrutura que aí está, com a habitual falta de planejamento econômico e administrativo, com a Previdência fora do controle dos interessados que pagam por ela e se aposentam por favor e com merrecas, atirada na vala comum das contas públicas, às quais, na verdade, não pertence? Propiciem-se aos trabalhadores, com controle oficial, do MP e dos órgãos competentes cuidar do que lhes pertence, assumirem a responsabilidade e usufruírem de sua boa gestão. Era assim no passado e funcionava muito bem. Nada mudou essencialmente. Os trabalhadores não são uma carga para o país, nem querem sê-lo; são a força que produz riqueza e progresso.

Previdência é consequência, não causa. Em termos de país, a reforma fiscal é mais importante do que a reforma previdenciária porque, ela sim, impactará fundamentalmente a Economia, necessária, todavia, uma reforma de verdade, não maquiagem, simples troca de nome de impostos ou mero agrupamento deles. De sobejo, por que ninguém fala em cortar as benesses concedidas às Empresas, subsídios, incentivos, isenções e facilidades culminadas com a improvisada reforma trabalhista imposta a quem de fato paga a conta?

Ninguém fala em cortar custos, racionalizar e adequar despesas. De verdade, não pontualmente, politicamente. Precisamos acabar com o déficit, claro! Volta e meia não se está falando em desinchar o Estado e privatizar? Nenhuma conversa sobre livrar o Estado de “gorduras” (apud Joelmir Beting) que não são suas será séria se não começar pela Previdência, se os empresários não aposentarem o pires na mão. Abra-se de vez a Economia, varra-se de vez para longe dela tudo o que lhe é estranho, acabe-se com a burocracia que dificulta o registro de negócios, um descalabro nunca atacado com seriedade. Sem esquecer o Câmbio, uma possessão. E pare-se de atrapalhar o empresário estrangeiro, especialmente o Europeu, de aplicar produtivamente no Brasil. O pré-requisito é a segurança para o seu capital. E desde que pague os impostos direitinho deve ser deixado em paz com as suas obrigações e com os seus direitos, e para entrar e sair do Brasil quando quiser. Tudo, porém, sem qualquer incentivo ou auxílio especial, notadamente os direta e indiretamente onerosos à nação. É assim que se deve desenvolver uma Economia capitalista que se quer liberal, impossível desenvolver uma Economia quando empresários consideram estar fazendo favor ao país que lhes propicia com facilidades cabeludas a formação de fortunas pessoais.

Teto de gastos? Sozinho, solitário? Uma derivação equivocada do teto para endividamento, não faz qualquer sentido na estraçalhada Economia brasileira, numa escala de zero a dez, nota quatro, com extrema boa vontade. Essa brincadeirinha de mau gosto precisa com urgência entrar na pauta do Congresso.

Estamos vivendo uma estagnação geral; casos se contam em que estamos andando para trás, sem nenhuma originalidade, uma tragédia anunciada. Estamos paradíssimos. E há quem festeje, começou a reação, dizem, que reação, pergunte-se! Reação econômica que se preza faz-se notar. E sabe você quando se terá certeza de que a Economia está de fato reagindo? Quando os preços começarem a subir.

Um país tem de ser ‘tocado’ pelos seus cidadãos, pelos empresários que hajam definitivamente aposentado o pires na mão e saibam jogar o jogo direito. O mundo oficial só tem de dar suporte e cuidar de coisas tipo infraestrutura e que tais. Empresário é empresário, Executivo é Executivo, Legislativo é Legislativo, respeito é bom e todo mundo de cabeça boa gosta. Quer saber como se faz? Trabalhei bom tempo para os caras, aprendi muito com eles, abomino suas coisas ruins, mas sou profundo admirador de sua capacidade de realização. E são patriotas do país deles, não do país dos outros, estamos precisando muito disso por aqui. Vou repetir:

As crises americanas de 1857, 1873 e 1893, esta ultima provocada em parte pela expansão ferroviária desordenada e capitalização sem planejamento, resultaram dos riscos assumidos por Administradores e homens de negócio que queriam um pouco mais do que construir grandes fortunas; queriam construir, também, um grande país. Prevaleceu a noção de risco inerente àquelas atividades e eles simplesmente continuaram a trabalhar duro. Em 1900 tinham uma malha ferroviária de aproximadamente 400 mil quilômetros que empregava algo em torno de 1 milhão e setecentas mil pessoas.

O Poder Publico em todos os níveis ajudava na construção de linhas férreas subscrevendo capital, concedendo créditos para compra direta de títulos ferroviários ou endossando títulos para capitalização, cedendo terras, doando dinheiro diretamente e pagando despesas topográficas. Aconteceram abusos e escândalos, e não foram poucos, nem limitados a particulares. No affair Credit Mobilier estiveram implicados Congressistas do mais alto coturno. A obtenção de contratos favoráveis na área ferroviária foi uma das modalidades mais comuns de, mediante pressão, fazer correr dinheiro paralelo. Representantes de políticos eram contratados como assessores, com altíssimos honorários. A malha ferroviária resultante, contudo, compensou todos os esforços e mazelas. Em alguns momentos históricos os EUA tiveram mais quilômetros de linhas férreas do que a Europa inteira.

No geral, o Brasil tem um sistema “medieval” de transporte de cargas; caro, ele inunda as estradas, quase todas deficientes, e semeia acidentes, ceifando vidas. O automóvel completa o quadro; praticamente inexistente o transporte ferroviário de passageiros, veículos automotores de transporte pessoal produzem estatísticas assustadoras. A falta de educação e civilidade e o desinteresse estatal e empresarial, aliados a interesses monumentais das Montadoras, são trágicos componentes da receita de caos e perigo mortal potencial que caracterizam as rodovias brasileiras. O absurdo panorama de inadequação completa-se com a ausência quase absoluta do transporte marítimo costeiro organizado e orgânico, extremamente acessível em termos de custo, em um país com um litoral de mais de 9.000 quilômetros, no qual, produtos fabricados no Sul e no Sudeste, com consumidores finais no Nordeste, Norte e Oeste, e produtos fabricados na Zona Industrial de Manaus, no Norte, são majoritariamente transportados para todos os recantos dos seus 8.500 mil quilômetros quadrados por caminhões. Além de expor perigosamente a risco vidas humanas, como tem sido fartamente demonstrado, resulta da movimentação terrestre de mercadorias alto custo dos transportes, com pesadas taxas de seguros que gravam severamente os preços.

O combate aos preços altos e seu alter ego inflação precisa estar presente em qualquer agenda. O país precisa estruturar-se; produção em escala a custo baixo e boa qualidade, um eficiente sistema distributivo, um sistema adequado de transportes de baixo custo e custos razoáveis dos seguros não é trabalho para nenhum governo em quatro ou oito anos; deve resultar de uma política de Estado e dos empresários com real visão empresarial na produção, distribuição, comercialização e transportes e, por que não, serviços?

Onde estão os empresários? É necessário pular fora da imprecisa contrafeição indústria automobilística, o lado claro da indústria brasileira, ou desemprego, o lado escuro da Economia. Os empregos da indústria automobilística poderão em boa parte ser substituídos por empregos nas ferrovias, na rede marítima costeira, na extensa cadeia de fornecedores industriais e comerciais necessária à sua implementação e manutenção; toda a movimentação de capitais em tais atividades contribuirá para incrementar a Economia, propiciando atividades paralelas de revigoramento da cadeia produtiva. Construir e formar infraestrutura, é histórico em todas as Economias do planeta, são atividades fortemente geradoras de empregos em todos os níveis profissionais.

Estamos em crise, é verdade, mas crise de omissão e, de certo modo, vivendo uma crise de realidade. Estamos cuidando dos efeitos, quando deveríamos estar cuidando das causas.

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