ESPELHO, ESPELHO MEU...
Os gregos criaram os deuses e fizeram-nos viver no mundo dos homens para justificar a vida. Nietzsche perguntou em o Nascimento da Tragédia como poderiam eles suportar a vida, ainda engalanada em celebração efusiva, não fora pelos deuses, com quem muito não se importavam por saber estarem sempre por perto. De outro modo, insistindo em Nietzsche e nos gregos, difícil fugir à resposta aniquiladora de Sileno a Midas: espécie efêmera e miserável, produto fortuito do enfado, por que sou forçado a revelar o que jamais poderiam compreender? O que deveriam preferir a qualquer outra coisa não está ao alcance de sua compreensão, pois, essa é a verdade, jamais haveriam de ter vindo ao mundo, não deveriam, jamais, ser, porque, de fato, são nada. Não merecem a vida, não a podem, então, desejar.
Agora é contigo, deixando de lado a turma, que nas tuas premências íntimas, quando te pões em face de ti mesmo, não te serve para nada: Apolo ou Dioniso?
Se Apolo, para que tamanho esforço, por que a extenuante tarefa diária de percorrer todo o céu conduzindo um carro de fogo; ou patrocinar a harmonia, e, para isso, criar a harpa, propiciar a profecia e com ela a poesia? Se Dioniso, por que enredar-se na realidade crua, ou voltar-se, apenas, para a natureza, patrocinar a fertilidade e proteger as colheitas; ou perder-se no vinho e na embriaguez?
Um pouco de cada coisa, menos o esforço de conduzir diariamente o carro de fogo céu afora porque a isto não te habilitaste, que isso é mister para deuses, um para cada sol, os deuses das galáxias, cada um com a sua e com o seu sol. Sabes bem o que fazes, inadvertido sátiro do profanum vulgus? Ou serás cover do Fausto goethiano quando aspiras ao zênite, mas te perdes no pó da iniquidade, vendes a tua alma? Tens um caminho, aponta-o o gênio ainda não enlouquecido: das Ur-Eine. Por que não te voltas para o Um Primordial, o Cosmo? Podes aspirar a ele por ser uma criatura de lá, energia. Tens, apenas, de renunciar à Treva, deusa má, e voltar-te para a Luz, réstia de bem. Por que tens de permanecer sátiro, rústico, semideus de tronco humano, mas pernas e pés de cabra, orelhas asnas, chifres e cauda? Ou seres um Fausto vendido, ou uma górgona, cabelos de serpente, cujo olhar, porém, já não petrifica? Acabarás enfeitando o escudo de alguma Atena!
Acaso pensas, após tanto te perderes em iniquidades e desvios éticos/morais, restar-te-ão resquícios, ao menos, de verdadeira humanidade, pobre criatura desencontrada?
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