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JOJOS RABBITS


Sessenta milhões sobre duzentos e dez milhões representam, arredondando, 30% da população brasileira. É quase uma Argentina e meia.

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Na esteira de Taika Waititi, uma boa quantidade de nós teve amigos imaginários na infância. A Gighia teve a Maria Luiza, eu, quando escrevia na areia em frente à nossa casa na prainha antes de Santa Helena, conversava com alguns, entre os quais havia um a “quem” chamava Pudingo. Uma vez ele me perguntou por que o chamava assim; respondi-lhe. Era um um nome que inventara, o mais feio que pude, porque o achava muito feio, um cara mau que só vivia me dando maus conselhos. Pudingo sorriu enigmático e, aproveitando a deixa, disse-me para escrever na areia os nomes das pessoas de quem não gostava; quando as ondas, na maré enchente, apagassem os seus nomes elas também “apagariam”. Pudingo era de fato um cara mau. Mandei-o pentear macacos e ele nunca mais apareceu. Gostei e a partir de então passei a considerar a hipótese de fazer o mesmo com todos os caras maus que encontrasse pela vida a dar-me maus conselhos, assim eles evaporariam como Pudingo.


O Banco Central ainda não foi suficientemente testado, inclusive, e especialmente, com relação ao controle da inflação; o contingente formado por desempregados e seus dependentes, desesperançados da busca de empregos e seus agregados, bons milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza extrema, isto é, miseráveis, e subempregados, tira do mercado uma quantidade de consumidores de difícil cálculo exato, sem exagero superior a sessenta milhões de pessoas, é dizer, não há pressão sobre os preços. Numa situação considerada normal, corrigidas estas anomalias provocadas pela sofrível gestão econômica, de uma taxa de desemprego entre três e quatro por cento, e com a taxa de juros em 4,25 (quatro vírgula vinte e cinco) por cento, a considerar a carência de boa parte dos brasileiros relativamente aos mais modestos itens de consumo, a perspectiva de inflação é imanente.


Além disso, os supermercados testam sistematicamente a capacidade, ou disposição, de pagar dos seus clientes. Os ovos, há um mês e meio, eram encontrados na bandeja de trinta unidades, com boa procura, entre sete e oito Reais; hoje não são encontrados, mais se procure, por menos de doze Reais, excepcionalmente um pouco abaixo disso, salvo nos hipermercados, em constante promoção. A batata doce, excelente alimento, por isso de alta procura por parte da população menos favorecida, de um Real e cinquenta centavos há um mês atrás, hoje está no geral em torno de três Reais e cinquenta. Na semana passada, um susto: Num supermercado em Niterói, RJ, o abacate ostentava orgulhosamente uma placa de preço de onze Reais e cinquenta centavos o quilo. Estes são apenas uns poucos exemplos da Economia real, da inflação pontual que mexe de forma direta no bolso da grande população com dificuldade de consumir, de comer. A taxa geral de inflação, no seu caso, não conta. E chuva demais nada tem a ver com abacate e ovos, cujos preços, dos ovos, não do abacate, são afetados pela disparada do dólar a bater todas as suas históricas cotações, uma benção, segundo o gestor econômico, que se esqueceu, também, dos reflexos da cotação da moeda americana sobre os bens de capital, indispensáveis à manutenção e

aumento da atividade industrial, e sobre as dívidas dolarizadas.


Juros reais abaixo de um por cento é muito bom, não é mesmo? Será? Juro baixo empurra os investimentos para a Bolsa, subtraindo-os às atividades produtivas. O cenário embaçado empurra as empresas para investimentos extra-operacionais, que investir na produção em ambiente comercial e industrial incerto por conta de um mercado consumidor que se dá o luxo de manter fora dele algo como sessenta milhões de pessoas não é coisa de gente ciosa de suas fortunas. Nesse passo, os oráculos que alardeiam um avanço de dois e meio por cento do PIB neste 2020 precisam dar uma paradinha para pensar. No início de 2019 o blog sugeriu a mesma coisa, pois o trombeteio era o mesmo. Não deu outra, PIB do ano em um vírgula um por cento quando havia previsões de mais do dobro disso. Neste início de ano, uma generosidade: Declarou-se solenemente que o surto do coronavírus deverá provocar uma redução de dois e meio para dois vírgula quatro por cento do PIB. Puro chutômetro! O dólar, impávido em suas alturas, que o diga, um termômetro a medir com eficiência exemplar o grau de insegurança de quem tem, um pouco que seja, dinheiro excedente ou destinado especificamente às aplicações no mercado.


À Economia brasileira estão faltando fundamentos mínimos. A Formação Bruta de Capital Fixo, ou taxa de investimentos, continua despencando; sem isso não há avanço econômico possível. O nível de investimentos está vinte por cento abaixo do pico de 2013. Não faz sentido apostar nos serviços e no comércio; sem a indústria não se produz efeitos significativos na Economia, a indústria como um todo, não melhorias pontuais ou isoladas. A indústria está fragilizada por conta do investimento reduzido, que não aumentará com um Índice alto de Incerteza na Economia, como se verifica. Tem de ser melhorado urgentemente o Ambiente de Negócios, os projetos de infraestrutura precisam ser implementados; dinheiro para isso? Procure-se na bolsa rico, ou na bolsa empresário, e ele será encontrado. Nas despesas hipertrofiadas de outras áreas também.


Não adianta estender pires ou fazer apelos para que o capital privado apareça; o ambiente de negócios não ajuda. Sem investimentos públicos pesados, especialmente, não haverá melhora básica no desemprego, que se reflete no consumo de bens e serviços, que se reflete na produção, que se reflete no PIB. O mais que se disser será apenas a reação da raposa à sua impotência em chegar às uvas. Se não surgirem receitas extraordinárias em 2020 o deficit fiscal se agravará, o PIB, ó! Igual ao salário do saudoso professor, redivivo, a nossa tragédia social também. Temos vilões estruturais na Economia, que a mantêm amarrada.


Nem todos na idade adulta superam as fantasias juvenis de tomar vilões como heróis, uma espécie de Jojos Rabbits que não cresceram.

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