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"PERDEDORES"

Há uma corrente de pensamento — e de ação — a manter a Sociedade permanente-mente sob pressão; que, como toda corrente de pensamento, tem um discurso afinado, nesse caso a enfatizar a capacidade da pressão permanente de enlouquecer até um sábio. Duas observações importantes:


1. Esse tipo de pressão não é gratuito ou apenas um passatempo para senhores desocupados e subalternos ‘sem noção’; há um projeto de poder por trás dele.


2. Pessoas minimamente sábias são grandes magistradas de si mesmas quanto a serem seus próprios mestres-condutores e exercerem a magistratura íntima de modo muito pessoal, hipótese em que “a voz das ruas” não as afeta. Seu norte é determinado por uma bússola legal e sua estrutura mental é antes de tudo cidadã e constitucional. Não são pessoas de enlouquecer, bem menos à força de pressões.


O pensamento dessa corrente é circunscrito e não é novo. Tem métodos recorrentemente próprios, não admite revisões e é decididamente refratário por impulso típico à norma legal e a princípios humanos; qualquer questão, mesmo de caráter geral ou nacional, que fuja à sua estreita visão de mundo, é descartada ou sequer considerada. Movimentos migratórios humanos do início do século vinte foram tratados com a manipulação da farsa do QI para promover seleções e “limpezas” étnicas, servindo-se dela ao colocar nos pobres e pessoas sem trabalho a responsabilidade por sua situação desfavorável social e econômica. Foi a época da criação da expressão “perdedor”, logo, incapaz, logo uma criatura do gênero semoventes, sem qualquer mérito ou valor. É um preceito a exibir a simplicidade intelectual, ou grosseria, e metodológica daquilo criado para embair: Nega-se trabalho, nega-se saúde, nega-se educação, logo, negam-se oportunidades, e pronto!, estão constituídas ou ampliadas as camadas de cidadãos de segunda e terceira classe, que, sob o patrocínio de tal “filosofia”, tornam-se instrumentos das classes favorecidas a trocar oportunidades, privilégios e o usufruto do mundo entre si, formando-se desse modo grupos elitistas sem tempo a desperdiçar com os “perdedores”, em grande maioria e na verdade consequência da pobreza e da miséria engendradas, não da falta de capacidade pessoal.


Esses grupos elitistas não se referem à ordenação social como Sociedade, plural, a englobar quaisquer vertentes de cidadãos capacitados pela Constituição e pela lei a decidir quanto à forma de condução dos interesses comuns; preferem a designação de

sociedade civil, uma outra farsa notabilizada pelas elites para promoverem-se a si mes-mas como guias do interesse geral e público. Sociedade Civil não existe como designação válida dos grande aglomerados humanos a compreender cada um dos habitantes de uma cidade ou país, mas como forma dissimulada de estratos sociais favorecidos, castas, em última análise, que excluem os “perdedores”.


A ideia, tal como hoje prevalece, nasceu com Adam Ferguson em Ensaio Sobre a História da Sociedade Civil, de l767. Para início de conversa, Ferguson era um moralista dedicado à filosofia, é dizer, alguém fortemente inclinado a definir o mundo segundo uma visão rigorosamente pessoal, sem nada de científico. Hegel usou a expressão em sentido amplo, denominando Sociedade à polarização Esquerda vs. Direita, divisão social a consubstanciar um equívoco em si mesma ao formar a dicotomia Proletariado e Burguesia, tema da vida de Karl Marx, que desenvolveu sob ótica própria a concepção hegeliana.


Uma definição da London School of Economics, vaga e elitista, informa que a expressão Sociedade Civil designa ações coletivas voluntárias em torno de interesses, propósitos e valores. E quando a proposição fala de valores, esquece-se de que eles são de natureza pessoal e diversa, não podendo por consequência definir qualquer conjunto de indivíduos sem a formulação de um contrato ou estatuto em função do qual cada um deve abdicar de ideias próprias que fujam ao objetivo da associação, embora preciosos para a vida pessoal ou para os negócios individuais e particulares. A Sociedade Civil da London School of Economics engloba, ainda, uma variada gama de espectros complexos e indistintos que têm de ser negociados com quem paga a conta, mesmo que os grupos elitistas partam da premissa equivocada de que a eles cabem todas as decisões, contexto em que os “perdedores” servem apenas de massa de manobra, como escada para ascenderem ao poder, ou exercê-lo segundo suas próprias regras, não consoante o interesse público e geral.

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